sábado, 22 de maio de 2010

A LISTA DO LEITOR APAIXONADO

O autor é Michael Dirda. Em suas 350 páginas, você não encontrará Cervantes.

Nem Shakespeare. Nem Machado de Assis. Quer dizer, consultando o índice onomástico, descobre-se que Cervantes é citado duas vezes e Dom Quixote uma; Shakespeare faz 10 rápidas aparições em cena; e Machado é coadjuvante no verbete dedicado às obras de Eça de Queiroz, mas isto só se sabe lendo a página 249 porque o índice não remete ao nome dele.
No entanto, autores extraordinários – a maioria esmagadora de língua inglesa – são analisados nos ensaios que dão corpo ao livro. 
Alguns mais, outros menos conhecidos; todos com o dom de divertir: Jaroslav Hasek, S. J. Perelman; E.T. A. Hoffmann, E. Nesbit, Mary Shelley, Sheridan Le Fanu, Bram Stoker, M. R. James, H. P. Lovecraft, Isak Dinesen, Elizabeth Gaskell, H. Rider Haggard, Conan Doyle, Rudyard Kipling, H. G. Wells, G. K. Chesterton, Agatha Christie, Dashiell Hammett, Philip K. Dick.
A presença de nomes menos canônicos tem lá sua justificativa. O prazer de ler os clássicos é, de certa forma, o terceiro volume de uma série.
Crítico do Washington Post Book World, Michael Dirda publicou dois livros semelhantes – Bound to please e Readings, ambos não traduzidos no Brasil – nos quais aborda nomes mais cabeçudos.

Neste, o autor quis desmentir o lugar comum segundo o qual clássicos são difíceis, herméticos, enfadonhos. Conseguiu, ao compor uma lista de leitor apaixonado. Basta ler o que ele diz sobre Mary Shelley, criadora de Frankenstein: “Talvez seja melhor abordar o livro prestando atenção aos temas que ele suscita: a constante interconexão entre o sexo, o nascimento e a morte; a semelhança entre o monstro e o criador; o conflito entre a bondade instintiva e a criação social do criminoso; a capacidade da natureza de abrandar e civilizar; a busca do homem por empatia espiritual e amor”.

Entre tantas eleições afetivas, o ensaio sobre S. J. Perelman, o humorista americano e corroteirista de alguns dos melhores filmes dos Irmãos Marx, é exemplar. Para início de conversa, o crítico é o primeiro a reconhecer que o estilo de Peralman está bastante datado – e é nisso que reside sua graça: “Do mesmo modo como os contos de Sherlock Holmes evocam a cidade de Londres iluminada a gás com seu fog e seus cabriolés, o humor de Perelman, cheio de alusões a revistas e gírias antigas, estrelas de cinema e restaurantes esquecidos, transporta o leitor para o lado inocente e colorido da década de 30. O estilo enérgico e excêntrico é tão simbólico desse período quando Cole Porter”.
O capítulo sobre Sheridan Le Fanu, o genial criador de Carmilla, é especialmente recomendado para autores das novas gerações às voltas com vampiros, zumbis, lobisomens e quejandos. O recado subliminar é claro: aprendam a fazer ou deixem de pretensão. O irlandês Le Fanu escreveu as melhores histórias sobrenaturais do século 19. Michael Dirda explica por quê: “Sua estrutura narrativa predileta – na qual a ação da história dá-se em geral no passado, sendo depois relatada por uma testemunha ou informante até cair por fim nas mãos do narrador – além de proporcionar credibilidade, causava a suspensão da incredulidade. Le Fanu não quer afirmar a verdade do fantástico, ele simplesmente relata o que lhe disseram”.
 De lambuja, o crítico revela que um t hriller de Le Fanu, The house by the churchyard, provocou tanta admiração no paisano James Joyce que ele se baseou no livro para desenvolver alguns aspectos do Finnegans Wake.
 Eis o busílis: os escritores que, nulos de talento, hoje perdem seu tempo – e enchem nossa paciência – escrevendo entretenimentos, fariam melhor se se dedicassem a obras experimentais.
 O O prazer de ler os clássicos Michael Dirda. Trad: Rodrigo Neves WMF Martins Fontes. 350 páginas. R$ 65


reportagem de Alvaro Costa e Silva, publicada no Jornal do Brasil em 22 de Maio de 2010

Um comentário:

  1. Rosângela, fiquei feliz demais ao ver que acrescentou mais um livro como sugestão pra os nossos 16 leitores (quem sabe a gente ainda alcança o Artur Xexéo?. Não conhecia ainda o livro, mas além da reportagem que você nos trouxe, olhei na Livraria da Travessa e encontrei também uma crítica ótima do Daniel Piza. Creio que vale bem a pena comprá-lo. Tomara mais gente concorde conosco...

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